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Declamações & Poesias Gaúchas















Lenda do Quero-quero

Autoria: Glaucus Saraiva

Nos velhos tempos de antanho,
quando o campo era sem dono
O guasca era um rei no trono
verde-escuro das coxilhas...
Sua corte eram tropilhas
selvagens dos potros bravos.
O pampa não tinha escravos,
onde tudo era igualdade,
E o pendão a Liberdade !
A espora que retinia,
a garrucha, a lança esguia
a boleadeira e os cavalos,
eram somente os vassalos
que o gaúcho conhecia.

Mas um dia a prepotência
mostrou as garras malvadas!
Banhou de sangue as estradas,
cobriu de luto a verdade,
e em troca de liberdade,
trouxe grilhões de negreiro.
Porém o guasca altaneiro
boleou a perna no pingo,
E foi pra luta sorrindo,
porque o destino mandou.
Muito gaúcho tombou,
mas, entre os guascas sombrios,
a prepotência caiu
e a liberdade ficou!

E no lombo das coxilhas,
no largo dos descampados,
cabos de lança, quebrados,
apontavam cemitérios.
E os quero-queros gaudérios,
por sobre aquela tristeza,
pairavam sua nobreza,
como por artes divinas.

E, descendo nas campinas
por onde o sangue rolou,
Um bando imenso pousou
e embaixo d'asa escondidas,
guardavam as pontas perdidas
da lança que o índio amou...

Agora, pela amplidão,
na coxilha e o pampa enorme
o quero-quero não dorme,
como eterno guardião.

Às vezes, na noite escura,
Como um grito de amargura,
estridula seu cantar...
É a alma de algum gaúcho,
que, num último repuxo,
se levantou pra pelear!

E qual um centauro alado
que se ergue do banhado
cavalgando uma ilusão,
voará, como a esperança,
guardando, à ponta de lança,
a Gaúcha Tradição!

Gauchesca
 
Antonio Augusto Coronel Cruz
Canto agora nestes versos
com meu grito entusiasmado
a lida e o povo gaúcho
neste rincão abençoado

Quero falar do chimarrão
do churrasco e do gaiteiro
da linda prenda cheirosa
e do ginete faceiro

Das tropas cruzando as coxilhas
na toada mansa do tropeiro
nos tombos nas domas renhidas
e do galpão hospitaleiro

Canto o minuano cortante
o poncho amigo e o laço
a disparada da ema
e a boleadeira cortando o espaço

Exalto a história dessa gente
valente, simples e altiva
que tem a liberdade como semente
brotando da terra nativa

Sendo farrapo, chimango, maragato
ou peleador no Paraguai
são os rebentos deste Rio Grande
os filhos honrando o pai

Canto um tempo iluminado
pelas faíscas das adagas
pela prata dos arreios
e pelos olhares das amadas

Um tempo de muitas distâncias
vencidas num lombo tobiano
das frescas sangas de pedras
e das noites no chão pampeano

Vendo a tapera silenciosa
sinto um aperto no peito
lembrando o fio do bigode
e outras tradições de respeito

E me vem uma nostalgia infinita
dessa vida gaudéria e passada
uma amarga solidão sem consolo
como a perda da mulher amada

Mas sigo alimentando o braseiro
e ao patrão do céu peço, sincero,
que proteja este mundo campeiro
e o grito do quero-quero 

Faca
Vargas Neto
Faca - amiga de todos os momentos,
de tantas utilidades e misteres
e também dos mistérios da campanha...
Instrumento banal do cotidiano,
fonte das alegrias e tormentos...

Com o bambu que cortaste foste lança,
atada à sua ponta com bom tento,
que tiraste do costilhar de um couro bem!
Instrumento selvagem da degola
quando chega a hora cruel de ajustar conta!

Usada para coçar o fio do lombo,
pra palitar os dentes do teu dono,
depois de ter limpado outros lugares,
de servir de ferramenta de trabalho
e completo talher - colher e garfo...

Eras como um cabide na cintura,
onde o farrapo pendurava o mango,
até as esporas e buçal com o cabresto,
como te fez de gaucho para a honra
em ti pendurou a vida muitas vezes...

Não eras provocante como a adaga!
Mais modesta afinal, trabalhadeira,
não pravas na lida o dia inteiro,
pra corear, pra carnear, pra fazer lonca,
tinha glória na mão de um bom guasqueiro...

Mesmo os guris não te deixavam nunca,
embora aí tu fosses apenas a xerenga....
Cortaste desde a alvorada até o sol pôr.
E em muito tronco de ombu e cinamomo
Misturaste marcas de gado e as de amor.
Gaita
Oscar Daudt Filho (1929)
gentileza de Oscar Daudt Neto
Gaita minha...
Cancha larga do pensamento
Onde adelgaço o tordilho do meu sonho,
Gaita minha...

Porteira da minh’alma
Por onde a grande tropa de meus ais vae disparando
Sem nunca se aquietar.

Gaita que vae, gaita que vem,
Dolorida e boa como a carreteada lenta da saudade.
Gaita que vem, gaita que vae...

Vida... Gaita da gente, que só Deus sabe tocar,
Vida da gente... Gaita de Deus, que Deus fecha quando quer.

Chimarrão

Autoria: Glaucus Saraiva


Amargo doce que eu sorvo
Num beijo em lábios de prata.
Tens o perfume da mata
Molhada pelo sereno.
E a cuia, seio moreno,
Que passa de mão em mão
Traduz, no meu chimarrão,
Em sua simplicidade,
A velha hospitalidade
Da gente do meu rincão.

Trazes à minha lembrança,
Neste teu sabor selvagem,
A mística beberagem,
Do feiticeiro charrua,
E o perfil da lança nua,
Encravada na coxilha,
Apontando firme a trilha,
Por onde rolou a história,
Empoeirada de glórias,
De tradição farroupilha.

Em teus últimos arrancos,
Ao ronco do teu findar,
Ouço um potro a corcovear,
Na imensidão deste pampa,
E em minha mente se estampa,
Reboando nos confins ,
A voz febril dos clarins,
Repinicando: "Avançar"!
E então eu fico a pensar,
Apertando o lábio, assim,
Que o amargo está no fim,
E a seiva forte que eu sinto,
É o sangue de trinta e cinco,
Que volta verde pra mim.

Lenço Branco

Autoria: Antonio Augusto Fagundes


Nascido de alma caudilha
- nem por isso menos franca -
Deus te deu essa cor branca
que até de noite rebrilha.
Lua do herói na coxilha,
por de eu for, onde eu ande
e sem que ninguém me mande
eu te canto, troféu mudo
que é puro neste Rio Grande!

Do pica-pau ao chimango
vai um pedaço de glória
e engarupo na memória
com um guascaço de mango
recuerdos de algum chatango
que no passado ficou.
Se eu sou assim como sou,
entonado e orgulhoso,
devo a ti, lenço glorioso,
que eu herdei do meu avô.

Das lágrimas de uma china
quando seu índio partia,
de uma lua que alumia
debruçada na campina,
de uma sanga cristalina
que murmurava merencórea,
do clarão de uma vitória
deste povo leal e franco
nasceste, meu lenço branco,
para bandeira de glória!

Teu gosto é andar voejando
entre guerreiros e lanças
e acalentar esperanças
entropilhadas em bando.
O futuro está chamando,
já cumpriste o teu ideal
porqe o Rio Grand eimortal
fez de ti o seu retrato:
oposto do maragato,
puro, atrevido e bagual!



Tio Anastácio

Autoria: Jayme Caetano Braun


Entre a Ponte e o Lajeado
Na venda do Bonifácio
Conheci o tio Anastácio
Negro velho já tordilho;
Diz que mui quebra em potrilho,
Hoje, pobre e despilchado,
De tirador remendado
Num petiço douradilho...

Quem visse o tio Anastácio
Num bolicho de campanha
Golpeando um trago de canha
Oitavado no balcão,
Tinha bem logo a impressão
Que aquele mulato sério
Era o Rio Grande gaudério
Fugindo da evolução!

A tropilha dos invernos
Tinha lhe dado uma estafa,
E aquela meia garrafa
Dentro do cano da bota
Contava a história remota
Do negro velho curtido
Que os anos tinham vencido
Sem diminuir na derrota!

Mulato criado guacho
Nos tempos da escravatura
Aquela estranha figura
Na vida passara tudo;
Ginetaço macanudo
Já desde o primeiro berro
Saia trançando "ferro"
No potro mais colmilhudo!

Carneava uma rês num upa
Com toda calma e perícia!
Reservado e sem maílicia,
Negro de toda a confiança,
Bemquisto na vizinhança,
Dava gosto num rodeio,
De pingo alçado no freio
Pialando de toda a trança.

Tinha cruzado as fronteiras
Da Argentina e do Uruguai;
Andara no Paraguai,
Peleando valentemente,
E voltara humildemente
Como tantos índios tacos
Que foram vingar nos Chacos
A honra de nossa gente.

Caboclo de qualidade
Que não corpeava uma ajuda,
Na encrenca mais peleaguda
Sempre conservava o tino,
Garrucha boca de sino
Carregada com amor
E um facão mais cortador
Do que aspa de boi brasino!

Porém depois que os janeiros
Foram ficando à distancia,
Andou de estância em estância
E foi vivendo de changa:
Repontando bois de canga,
Castrando com muita sorte,
E em tempos de seca forte
Arrastando água da sanga ...

Ficou sendo um desses índios
Que se encontra nos galpões
E ao derredor dos fogões
Fala aos moços com paciência
Do que aprendeu na existência,
Ao longo dos corredores,
Alegrias, dissabores,
Curtidos pela experiência!

Tio Anastácio p'ra aqui;
Tio Anastácio p'ra lá...
Mandado mesmo que piá
Por aquela redondeza;
Nos remendos da pobreza,
Entrava e passava inverno,
Como um tronco, só no cerno,
Pelegueando a natureza!

Por isso é que nos bolichos
Só se alegrava bebendo,
Como se cada remendo
Da velha roupa gaudéria
Fosse uma sangria séria
Por onde o sangue do pago
Se esvaísse, trago a trago,
Por ver tamanha miséria!

E até parece mentira
- Negro velho de valor -
Morreste no corredor
Como matungo sem dono;
Não tendo nesse abandono
Ao menos um companheiro
Que te estendesse o baixeiro
Para o derradeiro sono!

E agora que estás vivendo
Na Estância grande do Céu
Engraxando algum sovéu
P'ra o Patrão velho buenacho,
Não te esquece aqui de baixo
Onde a 'lo largo- inda existe
Muito xiru velho triste
Como tu, criado guacho! 

Romance de Peão (O Tobiano Capincho)

Autoria: Aureliano de Figueiredo Pinto

Este tobiano de Estância
foi o bicho mais maleva
que o diabo inventou pra um peão!
Zolhos de chancho, cabano,
sargo, coiceiro, aragano,
manoteador e bufão.

Peão que chegasse atrasado
na segunda, mui sovado
da farra pelo rincão
já se sabia - a sua pena
era encilhar o ventana
que ansim mandava o Patrão.

Uma feita ... era segunda ...
na estância .... ao clarear do dia ...
com cara de laço novo ... cheguei ...
já estava meu povo na mangueira ...
E alguém gritou quando já davam cavalo:
- Lace o tobiano capincho
pra esse que vem dos bochincho
do rincão do Cantagalo!

Que sina! ... se eu tinha o peito
mais puro que a Estrela D'alva
que bico de beija-flor!
Qual bochincho ... se eu voltava
de ver a prenda que amava
todo enredado de amor.

Virge do céu ... será o diabo ...
Um cristão que andou bailando
por duas noite e treis dia
com no ouvido as harmonia
da cordeona retrechando
e o coração sarandeando
numa havanera macia ...

Nos olhos tontos de sono,
como em espelho pequeno
aquele corpo moreno
com crespos que o vento bate!
E o auroma à flor e a sereno
que vem na prosa em cochicho ...
- Que auroma! ... Não vi em bolicho ...
nem nos baús dos mascate.

E os negro olhos ariscos
como iraras bobeaderas
nas poças que a seca embarra
na sombra de um caponete ...
E que maneia ginete
como pealo de cucharra!

Quanta coisa ela me disse
não dizendo quaje nada!
Quanta coisa ela entendeu
da minha boca cerrada
- porteira do coração!
... E agora, eu moço monarca,
chego batendo na marca
no meu ofício de peão ...

Bonito! Agora acordar
de um sonho que é um lindo engano!
Soltar o corpo franzino
em que envidei meu destino
pra me trompar com o malino
que é este capincho tobiano!

Chego ... E, "Bom dia Senhores!"
largo já meio coverda...
E me respondem - "Boa tarde!
Dormiu nas palhas paissano!
Largue esse! Traga o buçal!

La putcha que é sesigual
a sorte de um campechano!

Vinha o tobiano no laço
como dourado na linha!
Ligeiro como tainha
como traíra de açude!
Dando mais pulos e saltos
que um calcuta na rinha!
Haaa! ... quando a sorte é mesquinha
não hai feitiço que ajude!

Pra encilhá o venta rasgada
foi abaixo de oração ...
E já maneado e enfrenado
foi luita pra arregla os troço!
Rezei quatro Padre-nosso
só pra sentar o xergão ...

Cheguei a carona e os basto.
E quanto a cincha tinia
o infame se foi pra o céu.
Voltou ... Tombou de boléu.
Quaje perdendo o chapéu
rezei quatro Ave-Maria ...

E o urco como um bodoque!
Traiçoero ... Olhando pra trais,
com a cincha no osso do peito!
... e eu ... le ajeitando ... com jeito ...
por causa do capatais ...

Depois de bem encilhado
tranqueou com passo de tango
muito mal intencionado,
encolhido e retovado!
Eu vi minha vida piquena ...
Corri os olhos na chilena
e olhei pra tala do mango ...

Na voz de - "bamos moçada!"
campeei a volta e montei
certito e firme nos basto!
Já o bicho se vinha urrando
ladeadito ... se brandiando
como quatiara de arrasto ...

Nóis fumo naquela toada ...
nessa dança desgranida
em que um taura arrisca a vida
só pra honrar a patacoada!

Despois... de focinho gacho
garrou ladeira em descida
na fúria despavorida
de um touro num costa-abaxo!

Me encomendei pro Senhor!
Também pra Virgem Maria!
Nem sei como arresestia
ansim blandito de amor!
E sem amadrinhador
nesse lançante tremendo
me fui solito ... me vendo
mais triste que um payador! ...

Rodou ... E ficou roncando!
Quebrado! É o fim do Capincho!
E eu ... Paradito! ... E, com tino
a pensar desta maneira:
- Por Ti ... A mais linda Triguera!
Gineteio a vida intera
no lombo do meu Destino! ... 

Paisagens Perdidas

Autoria: Jayme Caetano Braun

A tarde recolhe o manto,
carqueja e caraguatá;
na corticeira um sabiá
floreia o último canto!
Alargando o gargarejo,
da sanga que se desmancha,
há um eco pedindo cancha
no primitivo falquejo!

A lua nasce num beijo,
prateando o lombo do cerro
e um grilo acorda um cincerro,
do meu retiro de andejo!

Paisagens de campo e alma
perdidas no vem e vai,
soluços do Uruguai
que bebe lua e se acalma:
a noite passa à mão salva,
com ela vem a saudade,
olfateando a claridade
das brasas da Estrela D‘Alva!

Nascem rugas no semblante,
paisagens da natureza
que a força da correnteza
não pode levar por diante;
então exige que eu cante
quando me encontro desperto,
mas sempre que chego perto
meu sonho está mais distante!

Paisagens de sombra e luz,
como é que pude perdê-las?
Ficaram as 5 estrelas
fazendo o “ sinal da cruz “ ! 

Hora da Sesta

Autoria: Jayme Caetano Braun

O sol parece uma brasa
na cinza do firmamento.
Sobre o campo sonolento
ninguém está de vigília,
na lagoa - uma novilha,
bebe - de ventas franzidas
e duas graças perdidas
sentam na grama tordilha.

No galpão - tudo é silêncio,
e a cachorrada cochila
e a peonada se perfila,
estirada nos arreios,
só se escutam os floreios
da mamangava lubana
fazendo zoada, importuna,
nos buracos dos esteios.

Rompe o silêncio da seta
na guajuvira da frente
o tá-tá-tá impertinente
do bico dum pica-pau.
No galpão - um índio mau
quase enleia na açoiteira
a naniquinha poedeira
que vem botar no jirau.

Mas a soneira é mais forte
do que os gritos da galinha
e até as chinas da cozinha
cochicham meio em segredo,
Não há rumor no arvoredo,
nos bretes e nas mangueiras,
dormem as velhas figueiras
só quem não dorme é o piazedo.

É hora de caçar lagartos
e peleguear camoatim,
hora das artes sim fim
que o grande faz que ignora
e quanto guri de fora
criado no desamor,
numa infância de rigor
só foi guri nessa hora.

Hora de sesta - Saudades,
de juventude e de infância,
Hoje - ao te ver à distância,
quando a vida já raleia,
qual um sol bruxoleia
num canhadão se perdendo,
hoje - afinal - eu compreendo
por que guri não sesteia! 



Payada - Chimarrão e Poesia

Autoria: Jayme Caetano Braun

Sempre grudado no posto
O payador missioneiro
Sente o calor do braseiro
Batendo forte no rosto
E vai mastigando o gosto
Da velha infusão amarga,
Sentindo o peso da carga
Que algum ancestral comanda
Enquanto o mundo se agranda
E o coração se me alarga

Sempre a mesma liturgia
Do chimarrão do meu povo,
Há sempre um algo de novo
No clarear de um outro dia,
Parece que a geografia
Se transforma - de hora em hora
E o payador se apavora
Diante um mundo convulso
Sentindo o bárbaro impulso
De se mandar campo fora!

Muito antes da caverna
Eu penso - enquanto improviso,
Nos campos do paraíso
O patrão que nos governa,
Na sua sapiência eterna
E eterna sabedoria,
Deu o canto e a melodia
Para os pássaros e os ventos
Pra que fossem complementos
Do que chamamos poesia!

Por conseguinte - o Adão,
Já nasceu poeta inspirado,
Mesmo um tanto abarbarado
Por falta de erudição
E compôs um poema pagão
À sua rude maneira,
Para a sua companheira,
A mulher - poema beleza,
Inspirado - com certeza
Numa folha de parreira!

Os Menestréis - os Aedos,
Os Bardos - Os Rapsodos,
Poetas grandes - eles todos,
Manejando a voz e os dedos
Vão desvendando os segredos
Nas suas rudes andanças,
As violas em vez de lanças,
Harpas - flautas - bandolins,
Semeando pelos confins
As décimas e as romanzas!

Tanto os poetas orientais
Como os poetas do ocidente,
Cada qual uma vertente,
Todos eles mananciais,
Nos quatro pontos cardeais
Esparramando canções
E - no rastro das legiões
Do lusitano prefácio,
A última flor do lácio
Nos deu Luiz Vaz de Camões!

No Brasil continental
Chegaram as caravelas
E vieram junto com elas
As poesias - com Cabral,
Para um marco imemorial
Nestas florestas bravias
Perpetuando melodias
De imorredouro destaque:
Castro Alves e Bilac
E Antônio Gonçalves Dias!

Neste garrão de hemisfério
Quando a pátria amanhecia
Surgiu também a poesia
No costado do gaudério
Na pia do batistério
Das restingas e das flores
E a horda dos campeadores
Bárbara e analfabeta
Pariu o primeiro poeta
No canto dos payadores!

E foi ele - esse vaqueano
Do cenário primitivo,
Autor do poema nativo
Misto de pêlo e tutano,
De pampeiro - de minuano,
Repontando sonhos grandes;

Hidalgo - Ramiro - Hernández
El Viejo Pancho - Ascassubi
Mamando no mesmo ubre
Desde o Guaíba aos Andes!

Há uma grande variedade
De poetas no meu país,
Do mais variado matiz
Cheios de brasilidade,
De um Carlos Drummond de Andrade
Ao mais culto e ao mais fino,
Mas eu prefiro o Balbino,
Juca Ruivo e Aureliano,
Trançando de mano a mano
Com lonca de boi brasino

João Vargas - e o Vargas Neto
E o Amaro Juvenal,
Cada qual um manancial
Que ilustram qualquer dialeto,
Manuseando o alfabeto
No seu feitio mais austero,
Os discípulos de Homero
De alma grande e verso leve,
Desde sempre usando um "breve"
De ferrão de quero-quero!

Imagino enquanto escuto
Esse bárbaro lamento
Que a poesia é o som do vento
Que nunca pára um minuto,
Picumã vestiu de luto
A quincha do Santafé,
Mas nós sabemos porque é
Que o vento xucro não pára:
São suspiros da Jussara
Chamando o índio Sepé!

Amargo

Autoria: Jayme Caetano Braun


Velha infusão gauchesca
De topete levantado
O porongo requeimado
Que te serve de vazilha
Tem o feitio da coxilha
Por onde o guasca domina,
E esse gosto de resina
Que não é amargo nem doce
É o beijo que desgarrou-se
Dos lábios de alguma china!

A velha bomba prateada
Que atrás do cerro desponta
Como uma lança de ponta
Encravada no repecho
Assim jogada ao desleixo
Até parece que espera
O retorno de algum cuera
Esparramado do bando
Que decerto anda peleando
Nalgum rincão de tapera!

Velho mate-chimarrão
As vezes quando te chupo
Eu sinto que me engarupo
Bem sobre a anca da história,
E repassando a memória
Vejo tropilhas de um pêlo
Selvagens em atropelo
Entreverados na orgia
Dos passes de bruxaria
Quando o feiticeiro inculto
Rezava o primeiro culto
Da pampeana liturgia!

Nessa lagoa parada
Cheia de paus e de espuma
Vão cruzando uma, por uma,
Antepassadas visões
Fandangos e marcações
Entreveros e bochinchos
Clarinadas e relinchos
Por descampados e grotas,
E quando tu te alvorotas
No teu ronco anunciador
Escuto ao longe o rumor
De uma cordeona floreando
E o vento norte assobiando
Nos flecos do tirador!

Sangue verde do meu pago
Quando o teu gosto me invade
Eu sinto necessidade
De ver céu e campo aberto
É algum mistério por certo
Que arrebentando maneias
Te faz corcovear nas veias
Como se o sangue encarnado
Verde tivesse voltado
Do curador das peleias!

Gaudéria essência charrua
Do Rio Grande primitivo
Chupo mais um, pra o estrivo
E campo a fora me largo,
Levando o teu gosto amargo
Gravado em todo o meu ser,
E um dia quando morrer,
Deus me conceda esta graça
De expirar entre a fumaça
Do meu chimarrão querido
Porque então irei ungido
Com água benta da raça!!! 

Gineteando

Autoria: Jayme Caetano Braun

A la putcha meu patrício,
Como é lindo e perigoso
Quando um bagual baixa o toso
Corcoveando num lançante
Sabendo que àquele instante
Só nos separam da morte
As rédeas e a cincha forte
Feita de couro e barbante!

E como é lindo cruzar
Enforquilhado nos bastos,
Riscando o lombo dos pastos
O mesmo que uma centelha
Ou na várzea desparelha
Pro índio sair passeando
Depois de pisar na orelha!

Quando piá, foi o prazer,
Que nunca troquei por outro
Saltar no lombo dum potro
Quando a manada saía
Artes que a gente fazia,
Se acaso estava solito,
E depois pregava o grito
Quando o bagual se perdia!

Terneiro de marcação,
Ao se levantar do pialo,
Já me levava a cavalo
Ali, bem sobre as cadeira.
Les digo, é uma brincadeira
Que a gente faz sem pensar,
Mas é parte regular
Da aprendizagem campeira!

E cheguei até a pensar,
Pobre guri sem estudo,
No lombo dum colmilhudo
Mais quente que amor de prima,
Que Deus não fez melhor rima
Do que as esporas cantando,
Um redomão corcoveando
E um índio grudado em cima!

Cresci sabendo que o chucro
Exige muito cuidado
Mas que o cavalo aporreado
Exige cuidado e meio.
Levei algum tombo feio
De grande e até de pequeno
Mas cavalo que eu enfreno
Dá pra dançar num rodeio!

Mas pra aquele que não sabe
Ensino como se faz,
- É a moda do capataz
Da estância onde fui guri -
E posso mostrar aqui,
Em linguagem resumida,
As passagens dessa lida
Da forma que eu aprendi.

Me ajuda, amigo parceiro,
Pega um laço, eu pego outro,
Laça de vereda o potro
Bem ali contra o gargalo
Deixa que corra que eu pialo
E enforca, que se boleia,
E antes mesmo da maneia
Mete o buçal no cavalo!

Depois enfia o boçal,
Porque o bagual não se amima,
Que a língua fique por cima
E bem cuidado o arrocho.
E se for de queixo roxo,
É bom dar algum tirão
Que já levante do chão
Meio tonto e garrão frouxo!

Deixa, antes disso, o cabresto
Apresilhado no laço,
Pra evitar um manotaço
Se o bagual le toma a frente
- Nunca é demais ser prudente
Lidando com animal.
Se golpear, não puxe mal,
Pra evitar que se arrebente.

E depois de agarrar firme,
No mão direita, o fiador,
Leva a outra, sem temor,
Na orelha esquerda do guacho
E puxa firme, pra baixo,
Mas tendo sempre o cuidado
Pra que o bagual desconfiado
Não enxergue onde me acho!

Olha bem como se faz
Vai a carona primeiro,
Pois nem precisa bacheiro
Nessa primeira encilhada.
Lombilho, cincha apertada
Bem sobre o osso do peito.
Rabicho, pra agarrar jeito,
Pelegos, cinchão, mais nada!

Dá um nó nas rédeas, parceiro,
Que a cousa fique parelha
E depois me deixa a orelha
E vai montando no más -
Aprende como se faz,
Pra que nada te aconteça,
Cuida do potro a cabeça
e atira o corpo pra trás!

Não te preocupa com cerca,
Que tu não anda sozinho,
Saio junto e amadrinho
Pra que não haja desconto.
Finca-lhe o mango, de pronto,
E as chilenas, mas cuidado
Não olha pra nenhum lado
Pra mode não ficar tonto!

E ao passear tuas chilenas
Das paletas à virilha,
Vendo as gramas da coxilha
Ora bem longe, ora perto,
Tu compreenderás, por certo,
Essa atração sem igual
Que exerce em nós um bagual
Berrando um cmapo aberto!

Quando os corcovos pararem
Deixa correr e golpeia,
Flocha o corpo e ladeia,
Puxando em cada costado
Que o potro que é bem golpeado
Ds queixos, não se retova,
E já na terceira sova,
Quando esbarra, está domado!

Essa é a primeira lição,
Mas não esquece parceiro,
Do que te diz um campeiro,
Que não foi arrocinado:
- Um flete só é bem domado
Quando é manso de garupa
Pra poder levar num upa
A china do nosso agrado.

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Seu Esmilindro

Autoria: Jayme Caetano Braun

Aquele ali, se esquentando,
Que parece estar dormindo,
É o velho “seu” Esmilindro
Quando lhe falam, responde,
Mas senão, vive calado,
Olhar triste, entrecerrado
Perdido, não sei onde!

É desses índios de estância
Que ninguém conhece o drama.
Tem só os arreios da cama
E um poncho velho que o cobre.
E embora nunca se dobre,
Nem ao guascaço mais duro,
Pouco lhe importa o futuro,
Pois já nasceu pra ser pobre!

Conhece de tudo um pouco,
Trança, laça e gineteia
Não fala da vida alheia
Nem se mete em discussão
E já ao primeiro clarão,
A estrela d’alva saindo
Encontra o velho Esmilindro
De pé, batendo tição!

É quem recolhe os cavalos
Bem antes que o dia venha,
Puxa água e corta lenha
Pra as chinocas da cozinha.
É quem cuida de galinha
E dá quirera pra pinto.
Sabe tudo por instinto

E o que não sabe, adivinha!
Surgiu um dia na estância
Ao tanco dum baio-ruano
E ficou. Passou-se um ano,
Foi ficando, até ficar...
E ao fim de tanto penar
Só tem, além da ossamenta,
Esse fogo onde se esquenta
E esse galpão que é o seu lar.

A ninguém diz de onde veio
Nem tampouco pra onde vai.
Não tem mão, nem teve pai
Que lhe acolherasse um nome
E à medida que se some
No tremendal da amargura
Vai vendo que sem ternura
As almas morrem de fome.

Por isso é que ao pé do fogo
Cabisbaixo e silencioso
Vive a pensar no repouso
Da cruz do campo, sozinha,
Quando ali de tardezinha
O vento for repetindo:
Dorme aqui um tal de Esmilindro
Que nem sobrenome tinha! 


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Negrinho do Pastoreio

Autoria: Jayme Caetano Braun

Quando de noite transito
No meu gauderiar andejo,
Me paleteia o desejo
De encontrar-te, duende amigo,
Pois sei que trazes contigo,
Negrinho esmirrado e feio,
O Rio Grande em pastoreio
No sinuelo do passado,
E que ali, no descampado
Que a luz da vela clareia,
O teu vulto esguio, bombeia,
Como Deus de rito estranho,
A gauchada de antanho
Que se perdeu na peleia!

Juntos iremos lembrar
Aquele maula estancieiro,
Que ao botar num formigueiro
O teu corpo de criança,
Cravou bem fundo uma lança
No próprio ser do rincão;
Trazer a recordação,
Aquela velha tropilha,
Que do topo da coxilha
Esparramou-se a lo léu,
Para juntar-se no céu
Contigo e Nossa Senhora,
E hoje cruza, noite a fora,
No meio dum fogaréu!

Hás de contar-me o que viste
Na tua ronda infinita,
Desde a povoação jesuíta
Ao reduto Guaiacurú,
Quando Sepé Tiaraju
Morrendo de lança em punho,
Dava um guasca testemunho
Da fibra continentina,
E quando, nesta campina,
O velho pendão farrapo
Cruzava altaneiro e guapo
Como uma benção divina!

Dizem que trazes por diante
Dos fletes que pastorejas,
Assombrações malfazejas
Das campanhas do JARAU,
Repontas o fogo mau,
Do andarengo BOITATÁ,
E vagando, ao Deus dará,
Nessa ronda de amargura,
Vives na eterna procura,
Pelas canchas e rodeios,
De prendas, trastes e arreios
Extraviados na planura!

Tu conheces os segredos
De ranchos e cemitérios
Onde paisanos gaudérios
Assinalaram passagem,
Revives cada paragem
Numa evocação singela,
Por entre tocos de vela
De humildes promessas pagas
Onde o S das adagas
Fazia o papel de cruz, -
E onde num raio de luz,
Brilhava sempre a velinha,
Invocando tu'a madrinha
A Santa Mãe de Jesus!

Presenciaste o velho drama
Do gaúcho em formação,
Quando este imenso rincão
Era um selvagem deserto,
Tudo céu e campo aberto
E onde Deus Nosso Senhor
Pós o guasca peleador,
De lança e de boleadeira
E mandou fazer fronteira
Onde quisesse, a lo largo,
Dando o pingo, o mate-amargo
E a china pra companheira!

Por tudo isso é que sofro
Quando altas horas despontas
Entre os fletes que repontas
Num barbaresco tropel,
Lembrando o dono cruel
Que num gesto asselvajado
Te fez cumprir este fado
De andar penando no ermo,
Esperando sempre o termo,
Que tarda tanto em chegar,
E onde haveremos de estar,
Enquadrilhados a grito
Diante do Deus infinito
Que vai por fim nos julgar!

E assim como tu, Negrinho,
Que um dia foste espancado
E por fim martirizado
Num formigueiro do pago,
O meu peito de índio vago
Também sofreu igual sorte,
E hoje vagueia, sem norte,
Sem fugir, por mais que ande,
Deste formigueiro grande
Onde costumes malditos
Tentam matar aos pouquitos
As tradições do RIO GRANDE! 

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Galo de Rinha

Autoria: Jayme Caetano Braun

Valente galo de rinha,
guasca vestido de penas!
Quando arrastas as chilenas
No tambor de um rinhedeiro,
No teu ímpeto guerreiro
Vejo um gaúcho avançando
Ensangüentado, peleando,
No calor do entreveiro !

Pois assim como tu lutas
Frente a frente, peito nu.
Lutou também o chiru
Na conquista deste chão...
E como tu sem paixão
Em silêncio ferro a ferro,
Cala sem dar um berro
De lança firme na mão!

Evoco neste teu sangue
Que brota rubro e selvagem.
Respingando na serragem,
Do teu peito descoberto,
O guasca de campo aberto,
De poncho feito em frangalhos.
Quando riscava os atalhos
Do nosso destino incerto!

Deus te deu , como ao gaúcho
Que jamais dobra o penacho,
Essa de altivez de índio macho
Ques ostentas Já quando pinto:
E a diferença que sinto
E que o guasca bem ou mal!
Só lutas por um ideal
E tu brigas pôr instinto!

Pôr isso é que numa rinha
Eu comtigo sofro junto,
Ao te ver quase defunto.
De arrasto , quebrado e cego,
Como quem diz Não me entrego:
Sou galo, morro e não grito
Cumprindo o fado maldito
Que desde a casca eu carrego!

E ao te ver morrer peleando
No teu destino cruel.
Sem dar nem pedir quarteu.
Rude gaúcho emplumado.
Meio triste , encabulado,
Mil vezes me perguntei
Pôr que é que não me boleei
Pra morrer no teu costado?

Porque na rinha da vida
Já me bastava um empate!
Pois cheguei no arremate
Batido , sem bico e torto ..
E só me resta o conforto
Como a ti, galo de rinha
Que se alguem me
dobrar - me a espinha
Há de ser depois de morto!

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Sem Diploma

Autoria: Jayme Caetano Braun

Bendito aquele que estuda
porque estudar é importante,
embora o ignorante
tem sempre um santo que ajuda,
às vezes a sorte muda,
quando existe um santo forte,
cada qual procura um norte,
por isso não encabulo
- que a tava que bota culo
é a mesma que bota sorte!

Meu tetravô foi fronteiro,
meu bisavô domador,
o meu avô - alambrador
e o meu pai foi carreteiro;
a mim não sobrou dinheiro
pra cursar a faculdade,
mas tive a felicidade
graças ao nosso senhor
e me tornei payador
pra guardar a identidade!

O estudo é muito bonito
e até muito necessário,
mas este cantor primário,
cruzando o pago infinito,
continua - a trotezito,
mesmo sem ser diplomado
e me sinto conformado,
o que é meu - ninguém me toma,
pois duvido que um diploma
torne um burro advogado!

Como é lindo colar grau
num salão de faculdade,
embora essa qualidade
não transforme o bom em mau,
o Jayme Caetano Braun,
dessa linha não se afasta,
a inspiração não se gasta
nem me torna mais cruel,
eu conquistei um anel
o de gaúcho - e me basta! 

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Arroz de Carreteiro

Autoria: Jayme Caetano Braun

Nobre cardápio crioulo das primitivas jornadas,
Nascido nas carreteadas do Rio Grande abarbarado,
Por certo nisso inspirado, o xiru velho campeiro
Te batizou de "Carreteiro", meu velho arroz com guisado.

Não tem mistério o feitio dessa iguaria bagual,
É xarque - arroz - graxa - sal
É água pura em quantidade.
Meta fogo de verdade na panela cascurrenta.
Alho - cebola ou pimenta, isso conforme a vontade.

Não tem luxo - é tudo simples, pra fazer um carreiteiro.
Se fica algum "marinheiro" de vereda vem à tona.
Bote - se houver - manjerona, que dá um gostito melhor
Tapiando o amargo do suor que -
às vezes, vem da carona.

Pois em cima desse traste de uso tão abarbarado,
É onde se corta o guisado ligeirito - com destreza.
Prato rude - com certeza,
mas quando ferve em voz rouca
Deixa com água na boca a mais dengosa princesa.

Ah! Que saudades eu tenho
dos tempos em que tropeava
Quando de volta me apeava
num fogão rumbeando o cheiro
E por ali - tarimbeiro, cansado de bater casco,
Me esquecia do churrasco saboreando um carreteiro.

Em quanto pouso cheguei de pingo pelo cabresto,
Na falta de outro pretexto indagando algum atalho,
Mas sempre ao ver o borralho onde a panela fervia
Eu cá comigo dizia: chegou de passar trabalho.

Por isso - meu prato xucro, eu me paro acabrunhado
Ao te ver falsificado na cozinha do povoeiro
Desvirtuado por dinheiro à tradição gauchesca,
Guisado de carne fresca, não é arroz de carreteiro.

Hoje te matam à Mingua, em palácio e restaurante
Mas não há quem te suplante,
nem que o mundo se derreta,
Se és feito em panela preta, servido em prato de lata
Bombeando a lua de prata sob a quincha da carreta!

Por isso, quando eu chegar,
nalgum fogão do além-vida,
Se lá não houver comida já pedi a Deus por consolo,
Que junto ao fogão crioulo,

Quando for escurecendo, meu mate -amargo sorvendo,
A cavalo nalgum tronco, escute, ao menos, o ronco
De um "Carreteiro" fervendo. 

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Faca-coqueiro

Autoria: Jayme Caetano Braun


Cabo de madeira branca

E a folha de palmo e meio,

Esta faca que palmeio,

Sovando uma palha "buena",

Larga, assim, como novena

Nas festanças do Divino,

Foi presente do Galdino

Filho da Dona Pequena!


Na prancha meio azulada

Deste regalo campeiro,

Está gravado um coqueiro

Assim como um distintivo

Que me faz lembrar, altivo,

O charrua melenudo,

Bombeando longe, sisudo,

O velho solo nativo!


É nesse ferro crioulo

Que o meu fôlego embacia,

A cancha reta bravia

Por onde o fumo se espalha,

Com ele eu ajeito a palha,

Lonqueio, e aparo crina,

E a barba, p'ra ver a china

Quando não tenho navalha!


Quando corto num churrasco

Deixo branqueando o espeto,

E se na encrenca me meto

Não sobra garrão inteiro,

Pois este ferro campeiro

De ponta, como de prancha

Tem mania de abrir cancha

No costilhar do parceiro!


Por isso é que ao te palmear,

Sovando a palha do milho

Eu sinto, ó rude utensilio,

Que muito primeiro que eu

O guasca já te benzeu

Quando num berro de touro,

Junto ao "bendito" de couro

Nalgum rival te embebeu!


E ao te arrancar da bainha

De ponteira reforçada,

Evoco a rudez passada

Do teu áspero trajeto

Quando o xiru analfabeto

Contigo de companheira

Nas andanças da fronteira

Lonqueava o nosso dialeto!


Traste mil vezes relíquia

Por ser presente de amigo;

Hei de levar-te comigo

Sempre ao alcançe do braço

E acolherar no teu aço

O Presente e o Passado

Até que pranche enredado

Por algum "seio

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Reza Chucra
Alcy Cheuiche
gentileza de Marcio Leão da Silva
extraído do livro Versos do Extremo Sul
Perdoe Virgem Maria
Por lhe tomar atenção,
Envolvendo um coração
Tão puro e tão adorado,
Nesta miséria qu'eu trago,
Que arrasto, é melhor que diga,
Por esta terra inimiga,
Onde nunca fui amado.

A Senhora bem se lembra
Que nem sempre foi assim...

Embora não fosse em mim
Que a fortuna tinha ninho,
Eu bem que tive carinho
E uma mulher cuidadosa
Que me deixava de jeito,
Um lenço branco no peito,
A bombacha bem limpinha,
Quando para a igreja eu vinha,
No tempo qu'eu fui feliz.

Agora olhe pra mim.
Veja esta roupa rasgada
Qu'eu carrego com vergonha.
Parece que a gente sonha,
Quando vê que não é nada
Prá dominar o seu vício
Quando eu morava no pago
As vezes tomava um trago
No mais prá molhá a garganta
E agora querida Santa,
Até virei cachaceiro,
Depois que bebo o primeiro
Não há nada que me pare.
E depois até que eu sare
Vem me subindo a cabeça
Toda essa vida passada
E o rosto da minha amada
Enxergo assim como em sonho...

Ó minha Nossa Senhora,
Escute ao menos agora
Um pedido que le faço.

Sei que a morte já me ronda
Pela porteira do rancho...
Até já vejo os caranchos
Rodeando em volta de mim.

Reconheço o meu pecado,
E quando tiver chegado
Lá na fronteira do céu
Vão me apontar outro rumo:
- Ovelha com mancha preta
Bota a marca na paleta
Que só serve prá o consumo. -

Prá mim não há mais remédio,
Não é prá mim o pedido.
Sou índio chucro vencido
Pelo vício aqui do povo.

Eu peço é pelo meu filho,
Que abandonei lá no pago
Quando a sina de índio vago
Me arrebatou da querência.

Proteja a sua inocência...
Não deixe que o coitadinho
Siga este duro caminho
Que está seguindo seu pai.

Que fique por toda a vida
Grudado naquele chão,
Que resista a tentação
Com toda a força de machd,
Que não morra como guacho
Quando pará o coração.
________________________________
Memória dos Tempos

De: Omair Trindade

Brasil grande do sul
Fogão de pátria e de nativismo

Junto a pia do batismo

da crioula tradição

O ronco do chimarrão

na prece tradicional

Lembro do tempo imperial,
aqueles tempos passados

De tantos filhos enjeitados

do Rio Grande imortal

Tempos de pátria e peleia
tempos de luta e clarim

Rubim, a lança o capim

e a gauchada peleando

E as vezes fico pensando

porque hoje não é assim
Será que o guasca morreu

por traz de alguma fascina

Será maldição de china

olho grande mal olhado

Já chega de indagação!

O Rio Grande é permanente

Nos lampejos dos tição.

Então, então revivo a minha memória

Ouço rufares de patas

no solo da pampa grande

Barulho de freios, tinidos de espora,
gritos de guerra, toques de clarim

E eu falo e mostro

um pedacito da nossa história.


_________________________________

Minha Prenda





 Adenir Paz da Silva






Duas bolitas azuis,


em um rosto de princesa;

Deus te deu toda a beleza

que a natureza permite;
ser linda é o teu limite,
tens um sorriso de renda,
tu és minha rica prenda,
presente que não existe.

Sabes que te quero muito,
mais do que tudo no mundo;
meu amor é um absurdo,
enorme, não posso medir;

grande demais pra seguir

embretado no meu peito.
Mas sou olho-grande e dou um jeito,
não consigo repartir.

Meu Rio Grande é um celeiro
das mais lindas maravilhas,
e entre elas estás, guria,
mulher gaúcha perfeita;
e que Deus rasgou a receita
depois que fostes gerada;
tu és minha filha amada,
minha prenda e minha eleita.

Sou gaúcho agradecido
ao Patrão Onipotente,
que me deu este presente
tão raro e tão bonito.
Por isso eu rezo, solito,
minha xucra oração,
pedindo pra Ti proteção,
com as bênçãos do Infinito!
 ________________________________


MEU PASSO FUNDO
João Batista de Oliveira Gomes
  
Meu Passo Fundo
Terra que eu amo tanto,
Digo isto e te garanto
Esta é a realidade,
Terra buena de fato
Onde tem prenda bonita,
E gaúcho de verdade.

Meu Passo Fundo
O meu querido torrão
Tem centro de tradição
Nos quatro cantos da cidade,
Do mais modesto, ao mais gigante
Recebem os visitantes
Onde sentem-se á vontade.

Meu Passo Fundo
É a capital do Planalto,
É linda, fica no alto
Onde a vista é bastante,
É rica em plantação
E também em criação,
Em seus campos verdejantes.

Meu Passo Fundo
É que eu falo pra vocês,
Joaquim Fagundes dos Reis
Que desta terra foi dono,
Nos ouve lá do além
Pois foi gaúcho também,
De Passo Fundo é o patrono.

Meu Passo Fundo
Pois não canso de falar,
Mas por você vou lutar
De adaga e de garrucha,
É linda, muito bonita
E quanta gente visita,
A cidade bem gaúcha.

_____________________________________________________________
MINHA GAITA COMPANHEIRA
João Batista de Oliveira Gomes
Gaita velha companheira
Tu que sempre me acompanha,
Nas festanças da campanha
Fazendo a animação,
Nas tertúlias ao pé do fogo
E nos fandangos de galpão.

Foi contigo, ó minha gaita
Que aos poucos fui crescendo,
Até parece que estou vendo
Quando tu me acompanhava,
Os primeiros versos que aprendi
E com orgulho eu declamava.

Te digo que tenho orgulho
No teu costado, ó minha gaita,
Até te chamo de baita
Ao te ouvir resmungando,
Encostada no meu peito
Te encolhendo e te espichando.

E quantas peleias enfrentamos
Nas andanças pelo pago,
Pra defender-te do índio vago
Eu te enrolava no pala,
Já com o fole cortado
E alguns buracos de bala.

O que eu sinto por ti
Pois não sei como se explica,
Tu és a maior relíquia,
Do pensamento não sai,
Andarás sempre comigo
Pois foi presente de meu pai.

Ao te abraçar, ó minha gaita
Me sinto num paraíso,
Faço versos de improviso
A minha idéia se expande,
Contigo presa nos braços
Estou abraçando o Rio Grande.
_______________________________________________
Chimarrão
(Glaucus Saraiva)
Amargo doce que eu sorvo
Num beijo em lábios de prata.
Tens o perfume da mata
Molhada pelo sereno.
E a cuia, seio moreno,
Que passa de mão em mão
Traduz, no meu chimarrão,
Em sua simplicidade,
A velha hospitalidade
Da gente do meu rincão.


Trazes à minha lembrança, 

Neste teu sabor selvagem, 

A mística beberagem, 

Do feiticeiro charrua, 

E o perfil da lança nua, 

Encravada na coxilha,

Apontando firme a trilha, 

Por onde rolou a história, 

Empoeirada de glórias, 
De tradição farroupilha.



Em teus últimos arrancos, 

Ao ronco do teu findar, 

Ouço um potro a corcovear, 

Na imensidão deste pampa, 

E em minha mente se estampa, 

Reboando nos confins , 

A voz febril dos clarins, 

Repinicando: "Avançar"!

E então eu fico a pensar, 
Apertando o lábio, assim, 
Que o amargo está no fim, 
E a seiva forte que eu sinto, 
É o sangue de trinta e cinco, 
Que volta verde pra mim.
_________________________________________________________
Amargo
(Jayme Caetano Braun)
Velha infusão gauchesca
De topete levantado
O porongo requeimado
Que te serve de vazilha
Tem o feitio da coxilha
Por onde o guasca domina,
E esse gosto de resina
Que não é amargo nem doce
É o beijo que desgarrou-se
Dos lábios de alguma china!

A velha bomba prateada
Que atrás do cerro desponta
Como uma lança de ponta
Encravada no repecho
Assim jogada ao desleixo
Até parece que espera
O retorno de algum cuera
Esparramado do bando
Que decerto anda peleando
Nalgum rincão de tapera!

Velho mate-chimarrão
As vezes quando te chupo
Eu sinto que me engarupo
Bem sobre a anca da história,
E repassando a memória
Vejo tropilhas de um pêlo
Selvagens em atropelo
Entreverados na orgia
Dos passes de bruxaria
Quando o feiticeiro inculto
Rezava o primeiro culto
Da pampeana liturgia!

Nessa lagoa parada
Cheia de paus e de espuma
Vão cruzando uma, por uma,
Antepassadas visões
Fandangos e marcações
Entreveros e bochinchos
Clarinadas e relinchos
Por descampados e grotas,
E quando tu te alvorotas
No teu ronco anunciador
Escuto ao longe o rumor
De uma cordeona floreando
E o vento norte assobiando
Nos flecos do tirador!

Sangue verde do meu pago
Quando o teu gosto me invade
Eu sinto necessidade
De ver céu e campo aberto
É algum mistério por certo
Que arrebentando maneias
Te faz corcovear nas veias
Como se o sangue encarnado
Verde tivesse voltado
Do curador das peleias!

Gaudéria essência charrua
Do Rio Grande primitivo
Chupo mais um, pra o estrivo
E campo a fora me largo,
Levando o teu gosto amargo
Gravado em todo o meu ser,
E um dia quando morrer,
Deus me conceda esta graça
De expirar entre a fumaça
Do meu chimarrão querido
Porque então irei ungido
Com água benta da raça!!!
_________________________________________________________ 
Paisagens Perdidas
(Jayme Caetano Braun)
A tarde recolhe o manto,
carqueja e caraguatá;
na corticeira um sabiá
floreia o último canto!
Alargando o gargarejo,
da sanga que se desmancha,
há um eco pedindo cancha
no primitivo falquejo!

A lua nasce num beijo,
prateando o lombo do cerro
e um grilo acorda um cincerro,
do meu retiro de andejo!

Paisagens de campo e alma
perdidas no vem e vai,
soluços do Uruguai
que bebe lua e se acalma:
a noite passa à mão salva,
com ela vem a saudade,
olfateando a claridade
das brasas da Estrela D‘Alva!

Nascem rugas no semblante,
paisagens da natureza
que a força da correnteza
não pode levar por diante;
então exige que eu cante
quando me encontro desperto,
mas sempre que chego perto
meu sonho está mais distante!

Paisagens de sombra e luz,
como é que pude perdê-las?
Ficaram as 5 estrelas
fazendo o “ sinal da cruz “ !
______________________________________________

Oração do Gaúcho

(D. Luiz Felipe de Nadal,

Bispo de Uruguaiana)

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e

 com licença do Patrão Celestial.

Vou chegando, enquanto cevo o amargo de minhas

 confidências, porque ao romper da madrugada e ao

 descambar do sol, preciso camperear por outras

 invernadas e repontar do Céu, a força e a coragem

 para o entrevero do dia que passa.

Eu bem sei que qualquer guasca, bem pilchado, 

de faca, rebenque e esporas, não se afirma nos 
arreios da vida, se não se estriba na proteção do Céu.
Ouve, Patrão Celeste, a oração que te faço ao 
romper da madrugada e ao descambar do sol:
"Tomara que todo o mundo seja como irmão!.
 Ajuda-me a perdoar as afrontas e não fazer 
aos outros o que não quero para mim".
Perdoa-me, Senhor, porque rengueando 
pelas canhadas da fraqueza humana, de 
quando em vez, quase se querer, em me 
solto porteira a fora... Êta potrilho chucro, 
renegado e caborteiro...mas eu te garanto, 
meu Senhor, quero ser bom e direito!
Ajuda-me, Virgem Maria, primeira prenda do 
Céu. Socorre-me, São Pedro, Capataz da 
Estância Gaúcha. Pra fim de conversa, vou 
te dizer meu Deus, mas somente pra ti, 
que tua vontade leve a minha de cabresto
 pra todo o sempre e até a querência do Céu. Amém.
______________________________________________

Pilchas
(Luiz Coronel)
Não pensem que são pirilampos
essas estrelas lá fora.
É a lua clara dos campos
refletida nas esporas.

Se uso vincha na testa
é pra ver o mundo mais claro.
Não vendo o mundo por frestas
lhe posso fazer reparos.

Sem cinturão nem guaiaca
me sinto quase em pelo.
Quando meu laço desata
sou carretel de novelo.

Da bodega levo um trago
para matar aminha sede.
Meu chapéu de aba quebrada
beija-santo-de-parede.

Atirei as boleadeiras
contra a noite que surgia.
Noite a dentro entre as estrelas
se tornaram três-marias.
______________________________________




Um comentário:

  1. poesias maravilhosas... são de copiar e guardar para sempre no coração e na memória

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